Conheça as decisões políticas que sustentaram a criação do Porto Digital

O Século 21 está em sua segunda década, mas ainda há uma margem muito grande entre o potencial da tecnologia e o seu real aproveitamento pela sociedade, inclusive quando se fala em impacto econômico. Vinte anos atrás, o cenário era ainda mais desafiador. Foi nesse contexto que nasceu o Porto Digital, fruto de iniciativas de vários protagonistas do setor privado e acadêmico, mas que só foi possível porque essa energia realizadora dos empreendedores encontrou amparo no poder público.

A criação oficial do Porto Digital foi em 21 de julho de 2000, viabilizada graças aos R$ 33 milhões arrecadados na privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). Na época, nomes como Jarbas Vasconcelos, João Paulo e Waldemar Borges se destacaram na defesa da iniciativa no âmbito político.  O investimento com recursos da Celpe foi decisivo para a existência do que hoje é um dos maiores polos de inovação do mundo. Afinal, ideias existiam, pessoas dispostas a desenvolvê-las também. Mas ainda faltava o dinheiro para os planos saírem do papel. 

Jarbas Vasconcelos e Cláudio Marinho nas obras do Porto Digital, no Recife Antigo. Foto: Acervo Pessoal de Cláudio Marinho

Foi por isso que os fundos necessários vieram da polêmica privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), vendida em fevereiro de 2000, por R$ 1,7 bilhão, em um leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro com um único concorrente, o então Consórcio Guaraniana. Para evitar que esse dinheiro fosse usado como custeio da máquina pública, Jarbas Vasconcelos decide criar um fundo para garantir que o valor arrecadado virasse investimento no Estado:

“Incluímos entre os investimentos estruturadores os investimentos em educação e tecnologia, porque isso já estava na estratégia do Governo desde a campanha”, relembra Jarbas.

 Com ideias e dinheiro garantidos, o projeto do Porto Digital foi apresentado pela primeira vez no Pacto 21 — um fórum que aproximava pessoas de todos os segmentos do Estado e onde se discutiam projetos estruturadores. Com o plano aprovado, o Governo do Estado investiu R$ 33 milhões na criação do polo de tecnologia. Empresas de telecomunicações também fizeram um aporte de R$ 1 milhão em infraestrutura e empresas privadas garantiram um investimento de R$ 10 milhões.

Criação do CIn influenciou decisão

Além da venda da Celpe, outro fator importante foi a criação do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco, em 1999. Foi do CIn que saíram nomes como Silvio Meira e Cláudio Marinho, fundadores do Porto Digital e influenciadores da decisão do então governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, em prol da criação de um centro de inovação no Recife. Jarbas conta, inclusive, que foi levado por eles para ver com os próprios olhos as potencialidades do setor de tecnologia. Foi a partir de uma visita ao Centro de Informática da UFPE que saiu a decisão final pelo investimento na criação do Porto Digital.

“Essa aposta foi baseada em fatos, em evidências e perspectivas concretas. Antes de tomarmos a decisão, fui visitar o CESAR. Fui lá para ver de perto tudo o que tinha ouvido falar. Vi a potencialidade e importância que era investir no setor”, conta Jarbas Vasconcelos. Além disso, o ex-governador contato com uma equipe de peso, como ele mesmo lembra:

“Fui o primeiro prefeito do Brasil a ter correio eletrônico. Acreditei desde o começo nas ideias e iniciativas que tanto Cláudio Marinho como Silvio Meira me apresentaram. Confiança e delegação é um binômio chave, a meu ver, para o sucesso de uma gestão, principalmente da gestão pública.”

Para o deputado estadual e então vereador do Recife, Waldemar Borges, ser visionário naquela época tinha suas dificuldades, mas havia uma grande aliada que ajudava a mostrar ideias e resultados aos mais céticos das potencialidades do setor de TI. “A primeira instância propulsora da Tecnologia da Informação aqui em Pernambuco foi a UFPE, no Departamento de Informática. Teve lá nos seus primórdios o professor Sérgio Rezende, que pegou aquela turma pioneira das universidade e botou os caras para se dedicar a isso. Nesse trem da Tecnologia da Informação a gente pode dizer que pode sentar nos primeiros vagões”, relembra Borges.   

Bairro do Recife vira polo de inovação

Outro ponto que confere destaque ao Porto Digital é sua localização geográfica. Na época em que o polo foi criado, o Bairro do Recife estava degradado e possuía pouca relevância econômica. Hoje, prestes a completar duas décadas de história, o Porto Digital possui números vultosos. Em 2018 o polo reunia 319 empresas aportadas, faturando R$ 1,7 bilhão e empregava nove mil pessoas. Já em 2019 os números cresceram e chegaram a 339 empresas vinculadas, faturamento anual de R$ 2 bilhões e 10 mil vagas de empregos.

Ilha do Parque Digital no Bairro do Recife. Foto: divulgação

Além da recuperação econômica de um tradicional bairro da capital pernambucana, a chegada do Porto Digital garantiu a recuperação arquitetônica da região. Desde a fundação do parque tecnológico, já foram restaurados mais de 138 mil metros quadrados de imóveis históricos. Waldemar Borges lembra que, por pouco, esse desenvolvimento todo não aportava em outro lugar: 

“Havia um questionamento se o polo de informática deveria ser na ilha do Recife ou se nos arredores da universidade (UFPE), tamanha a força que o CIn tinha naquela época. Só depois que se decidiu que seria na ilha o polo passa a ser chamado de Porto Digital.”

O deputado estadual João Paulo assumiu a Prefeitura do Recife em 2001 e viu o renascer da região portuária da capital pernambucana. Com o tempo, inclusive, as empresas se espalharam e saíram do Bairro do Recife, estendendo-se aos bairros de Santo Amaro, Santo Antônio e São José, totalizando uma área de 171 hectares de área. “Não tenho dúvida que foi uma decisão acertada investir na ocupação e reativação daquela área”, diz João Paulo. 

Para Jarbas Vasconcelos, desfazer maus hábitos que os próprios recifenses tinham no Centro da capital pernambucana foi um dos desafios de implementar os projetos previstos para o Porto Digital na localidade: “O maior desafio foi trabalhar para desfazer a cultura local de muitas das pessoas da cidade de que os espaços públicos são livres de regulamentação e que por isso poderiam ser ocupados sem regras. E era essa a realidade de muitas ruas, ruas importantes do centro do Recife. Vias principais e vias secundárias eram ocupadas de forma desordenada em relação ao comércio, principalmente ao comércio informal.” O vídeo abaixo, de 1989, dá uma ideia de como estava a ilha no período pré-Porto Digital:

Um dos marcos desse trabalho para dar uma nova presença ao bairro do Recife foi um processo de cessão do prédio do Information Technology Business Center (ITBC), onde hoje funciona a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex). O prédio foi idealizado como como âncora do Porto Digital mas demorou cerca de dez anos para se tornar realidade, sendo inaugurado somente em 2011 — uma história que José Cláudio Oliveira contou aqui no Memória Futuro

Waldemar, inclusive, orgulha-se de ter intercedido para que o ITBC saísse do papel. “Era um processo burocrático para tornar tudo correto, do ponto de vista legal. A prefeitura tinha que receber esse imóvel e depois fazer a doação para a Softex. Desse processo eu participei ativamente na Câmara dos Vereadores”, conta Borges que atuou como vereador em quatro mandatos consecutivos entre 1988 e 2004, assumindo a presidência da Câmara Municipal entre os anos de 2003/04.

Por sua atuação em prol do Porto Digital, Waldemar Borges já foi homenageado pelo ex-presidente Chico Saboya. Foto: divulgação

João Paulo relembra que a cessão do prédio havia sido feita ainda quando Roberto Magalhães estava à frente da prefeitura, mas, por questões burocráticas, foi através dele que a transação se confirmou:

“Quando cheguei à Prefeitura foi procurado pelas pessoas que faziam a direção do Porto Digital, junto com o vereador Waldemar Borges, e nós garantimos a cessão de um prédio que já havia sido cedido mas que não tinha havido validade na época. Então eu refiz a lei que garantia a entrega do prédio que hoje é o ITBC”, relembra.

Incentivo fiscal potencializou a chegada de novos negócios

A articulação entre o vereador Waldermar Borges e o prefeito do Recife João Paulo também rendeu outro fruto que foi determinante para a ampliação no número de empresas de TI interessadas em se instalar na região do Porto Digital: a redução das alíquotas dos Imposto Sobre Serviço (ISS). De acordo com a cartilha que detalha o “Programa de Incentivo Fiscal às Empresas do Porto Digital”, voltada aos empresários interessados em investir na área, “a Lei Municipal nº 17.244/2006, com suas alterações, estabelece um programa de incentivo fiscal correspondente à redução de 60% da alíquota do ISS para empresas/estabelecimentos vinculados ao Porto Digital.”

O legislação foi criada na gestão João Paulo que elege essa iniciativa como uma das mais acertadas em prol do setor de TI. “Não lembro o número de empresas que passaram a se interessar em se estabelecer na área, mas houve um acréscimo na arrecadação da cidade. Você abre mão de um recolhimento no ISS sabendo que haverá retorno com a implantação de novas empresas, gerando negócios e empregos. Foi o que aconteceu com a chegada das empresas de call center naquela época”, ressalta o ex-prefeito e atual deputado estadual.

João Paulo é considerado um importante ator para o desenvolvimento do Porto Digital. Foto: divulgação

A cartilha ainda informa a delimitação da área beneficiada com o redução o recolhimento do ISS de 5% para 2% e que tipo de atuação as empresas devem ter para ter acesso ao benefício. “Entre as mudanças apresentadas estão simplificações dos processos, incentivos fiscais e maior segurança jurídica para as empresas com foco em tecnologia”, resume o texto da cartilha.

Em 2013, já na gestão de Geraldo Julio, a Lei nº 17.244/2006 sofreu alterações e passou a ampliar o benefício para as atividades que envolvem programação e comunicação visual, desenho industrial, design e serviços de desenhos técnicos. Além do incentivo fiscal, a Secretaria de Turismo e Lazer do Recife passou a fazer parte do Comitê Municipal de Apoio ao Porto Digital, assim como um representante da Câmara de Vereadores. Na época da alteração, o então prefeito do Recife, Geraldo Julio disse que “Toda vez que o serviço público sinaliza para o mercado com redução de burocracia constrói um ambiente de negócios melhor.”

Administração isenta e sem fins lucrativos

O sucesso do Porto Digital enquanto catalisador de negócios vai além do incentivo fiscal. A forma como é gerido também tem grande influência nesse bom desempenho. Uma vez que o maior aporte para a criação do polo foi de verba pública estadual, poderia ser natural que o Governo do Estado se tornasse o administrador do processo. No entanto, Jarbas Vasconcelos decidiu que o negócio seria gerido por uma organização social, a primeira do Estado, inclusive. A medida é considerada como fundamental para dar autonomia o polo de inovação. Foi decretado em lei que o Governo tem minoria dos assentos no conselho de administração — até 40% dos assentos. 

Jarbas acredita que a gestão independente do Porto Digital é uma das chaves do sucesso do parque. Foto: divulgação

“Aceitamos a ideia para que a gestão do Porto Digital não passasse por atropelos na mudança de governos. A ideia era de que nenhum governador seria o “dono” dos cargos, já que teria que que passar por um conselho de 19 membros (das empresas, universidades, etc). Isso, a meu ver, foi fundamental para o crescimento do Porto Digital nesses 20 anos”, argumenta Jarbas.

A política e o futuro do Porto Digital

Para o futuro, os políticos que mais se envolveram com implantação e crescimento do Porto Digital enxergam perspectivas otimistas. No entanto, enxergam que é preciso estreitar os diálogos com os entes públicos para garantir o que for necessário para o desenvolvimento nos negócios na área de TI.

Políticos pernambucanos seguem sendo parceiros do Porto Digital. Foto: divulgação

Para Jarbas, o Porto Digital é o nova economia de serviços de base tecnológica e o futuro de Pernambuco. Já Waldemar Borges cobra que haja mais investimento em formação de mão de obra qualificada para garantir os empregos gerados no polo sejam usufruídos pelos pernambucanos: 

“Recursos humanos deve ser um dos poucos gargalos que ainda pode impedir o Porto Digital que alcançar todo seu potencial, então todo esforço que envolva recursos públicos tem que estar canalizado para esta área”, afirma Borges.

Para além da formação de novos profissionais, tida como primordial, os políticos resumem que ainda é necessário que o poder público siga investindo em cuidar da infraestrutura da região onde as empresas estão instaladas, da segurança pública e da ocupação do espaço urbano. No mais, o Porto Digital tem trilhado um caminho de sucesso, hoje, independente das decisões políticas.

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