
“Se vocês conseguirem provar que é possível fazer startup no clima tropical, com essas praias, Recife seria maior do que o Vale do Silício”. Depois de ouvir essa frase, em 2011, de uma venture capital (VC) durante a Startup Weekend de Buenos Aires (ARG), o engenheiro Leo Zeba ficou com a pulga atrás da orelha. A capital pernambucana já era reconhecida pelo fomento às inovações tecnológicas por causa do Porto Digital, mas ainda não conseguia se firmar como um grande polo atrativo de investimentos no setor. O desafio foi o fio condutor para unir programadores, designers, investidores e muitas outras pessoas no caminho da criação da Manguez.al, em fevereiro de 2012, uma comunidade de startups que, sete anos depois, está consolidada, mas ainda enfrenta obstáculos para crescer e conseguir cumprir plenamente o que se propõe.
Mas o início dessa história foi entre 2010 e 2011. Na época, Leo Zeba estava aproveitando o período de pré-nascimento da sua filha para fazer viagens pelo mundo e conhecer ecossistemas de startup. Nessas andanças, ele participou conheceu modelos de eventos de tecnologia como Internet Week, do qual participou em Nova York (EUA). Dentro do evento nova iorquino havia o Startup Weekend, ação que depois acabou se popularizando em cidades com apelo tecnológico. Zeba ainda visitou iniciativas do mesmo modelo no Chile e na Argentina, além do Rio de Janeiro.
De cada encontro, Zeba absorvia mais e mais do que o mercado de startups poderia oferecer e saía sempre com a sensação de que o modelo deveria ser apresentado ao público da capital pernambucana. A falta de articulação das startups no Recife também incomodava o cientista da computação Thiago Diniz, que, em 2012, viria a ser cofundador da startup Eventick — adquirida em 2016 pela Sympla. Os dois não se conheciam, mas o destino e o Twitter os uniu.
Um convite inesperado
Zeba lembra que foi depois de procurar informações de como realizar eventos de fomento às startups durante um evento no Rio de Janeiro que chegou ao nome de Diniz. “Dei um Google ‘Recife Startup’, apareceu o nome de Thiago Diniz, quem eu nem conhecia, e daí começou. Consegui o telefone dele, aí disse ‘botei seu nome aqui, é um evento que vai ter’.Outro (convocado) foi Mateus, que é meu sócio na Nazar, além de André Araújo. Foi daí que começou a relação com o Thiago”, contou. Do outro lado, Diniz fazia pesquisas de como fomentar eventos de tecnologia no Recife. Em busca de referências, encontrou a Fundação Kauffman e o Startup Weekend.
Thiago Diniz chegou a se unir com amigos e realizar algumas edições de meetups — encontros informais que facilitam o networking. Esse tipo de reunião é praxe no Vale do Silício e acabou sendo replicada em terras pernambucanas. Foi nesse contexto de busca que Diniz foi surpreendido por Zeba: “Do nada, eu recebi um Twitter lá do cara dizendo ‘passa teu telefone aí’, um cara chamado Leo Zeba. Aí eu passei e ele disse: ‘Botei teu nome pra tu tocar startup weekend aqui de Recife’. Eu fiz: ‘Oi? Como assim? Mas beleza, bora”’, conta, aos risos.

A partir desse encontro, Thiago e Zeba realizaram juntos, ainda em 2011, o primeiro Startup Weekend no Recife, que aconteceu em um hotel de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Considerado exitoso, o evento atraiu investidores de fora do Estado, como a Aceleradora 21212, Cláudio Nasajon, Startup Farm. Os organizadores se orgulham, inclusive, dos interessados em ver essa movimentação tecnológica terem vindo ao Recife com os próprios fundos, sem precisarem ser custeados para tal.
Foi nesse contexto de união em prol da cena de startups na capital pernambucana que surgiu a ideia de criar uma comunidade. Sem donos, apenas parceiros. Em fevereiro de 2012, Leo Zeba publicou em seu site um manifesto comunicando a fundação da Manguez.al. Trecho do texto dizia: “Somos uma comunidade de startups para apoiar práticas colaborativas e aprendizado de tecnologia, design e empreendedorismo no ecossistema de startups em Recife.” E continua:
“O MANGUEZAL não pertence a nenhuma empresa, não tem sede e não tem um dono ou responsável. Ele nasce com objetivo de agitar a cena Startup de Recife e, principalmente, de dar visibilidade às Startups pernambucanas junto aos investidores anjos e fundos de venture capital no Brasil e no Mundo.”
O manifesto ainda cita os objetivos: “Promover discussões de alto nível, eventos e uma programação educacional que aprenda a fazer para atender às necessidades de empreendedores de alto potencial e promover o ecossistema de startups em Recife. Dar visibilidade às startups em estágio inicial, apresentando-as a investidores anjos e fundos de capital de risco e também estimular o intercâmbio entre startups de Recife e outras startups ao redor do mundo.”
Manguez.al engrena a partir de eventos
A partir de então, através da Manguezal, foram realizados eventos como meetups, novas edições do Startup Weekend, além da já consolidada Manguebit, conferência anual da comunidade. Foi com a sequência desses encontrou promovidos pela comunidade que, em 2013, a então estudante de design Marina Mota, ouviu falar em Startup Weekend. “Eu lá no meu curso de design, na graduação ainda, ouvi falar evento e quando pensei ‘vou lá, quero participar’…, esgotou!”. Ela lembra também de como o movimento replicava uma realidade vivida no setor de tecnologia:
“Fui a primeira mulher no time de organizadores lá do Startup Weekend que foi em parceria com a feira do Sebrae, acho que isso em 2014 já”
Ao esperar pelas próximas edições, Marina se deparou com um novo modelo, uma edição voltada para a área de educação, realizada no Colégio GGE. “Que aí foi que eu vim participar e já tinha outra galera que era Hiro, Gerson, Eduardo Rocha… foi quando comecei a participar”, contou ela, que, desde então, tem participado das atividades da comunidade de startups e hoje está em Portugal, onde também pretende se envolver com o ecossistema de inovação local.
E ser mulher num ambiente majoritariamente masculino como o de tecnologia era um desafio do qual Marina se orgulha: “Fui a primeira mulher no time de organizadores lá do Startup Weekend, que foi em parceria com a feira do Sebrae, acho que em 2014”, relembra, orgulhosa. “Cheguei lá, tímida, pouquíssimas mulheres na época. Cheguei lá pra uma reunião do startup weekend. E o que era a reunião? Ficar em pé, bebendo e conversando, trocando uma ideia.”

Zeba e Diniz concordam que a entrada de pessoas como Marina no time da comunidade trouxe mais profissionalismo à ideia inicial. Eles contam que, antes, o processo era escrever um código e jogar a marca de sua empresa num site pouco organizado. Segundo Zeba, foi esse trabalho de voluntário e colaborativo de pessoas com visões diferentes que deu cara nova ao projeto. “Era assim, um negócio de nerd, de tecnologia, e aí chegou Marina e, com olhar de design, o negócio passou a ficar mais legal.”
Com o crescimento da proposta, novos interessados em fazer parte surgiram até que, entre 2016 e 2017, a Manguez.al ganhou cara nova, até para organizar os participantes e dar mais visibilidade à marca, como relembra Marina: “A gente usou toda aquela ideia de conexão, de redes, que a logo representa, trabalhamos, melhoramos a interface do site, inclusive já soube de outra empresa integrante da Manguezal querendo incrementar, o que é legal da Manguez.al é isso, que é tudo muito colaborativo.”
É preciso ter interesse para crescer
Mesmo com as mudanças, Thiago Diniz exigiu que apenas uma coisa seguisse o modelo já implementando: o interessado em entrar na Manguez.al teria que colocar a mão na massa, escrever seu código, para fazer sua marca estar entre as demais da comunidade. “Isso é uma coisa que eu sempre bati o martelo que não pode mudar, porque se você não tem o ímpeto de ir lá no site e mudar alguma coisa, como é que você vai ter o ímpeto de levantar capital?”, questiona.
E é justamente o que eles chamam de “querência” que tem sido o grande ponto de debate sobre o futuro da comunidade. Vivendo o mundo das startups há cerca de dez anos, eles avaliam que os empreendedores locais precisam ter o interesse de buscar clientes e investimentos para impulsionar suas ideias. Seja no Brasil, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis, ou fora do País, em lugares como Nova York, São Francisco, Vale do Silício.
A conexão com esses lugares nem sempre depende de horas em um avião. Ferramenta fortemente usada por empresas de tecnologia, canais digitais como o Twitter podem ser uma ligação entre o empreendedor recifense e o investidor internacional. E mais: é preciso ter pressa, pois novas startups surgem com frequência e a disputa pelo dinheiro dos investidores faz o jogo dos negócios ser grande e cada vez mais profissional.
Leo Zeba, por exemplo, é a favor de uma estratégia simples de captação de fundos: “Twitter é a ferramenta que você tem a maior possibilidade de chegar perto de um VC que está lá em São Francisco. Eles usam muito, os fundos de investimento usam, as empresas utilizam, com conteúdo técnico. Então, assim, está a uma distância do seu dedo aí do celular. É interagir, mandar, tem gente que vai responder, tem gente que não vai responder, mas tem a possibilidade, antes você não tinha nem essa possibilidade. E muitos negócios, muitas empresas conseguem levantar investimento, conseguem a partir de uma dinâmica dessa. É esse jogo que se tem que jogar no Manguezal.”

Conexões entre startups ainda são desafio
As conexões entre as empresas, inclusive, é lembrada por Thiago Diniz como uma das dificuldades do setor de startups do Recife. A distância entre a capital pernambucana e demais cidades fomentadoras desse tipo de negócio atrapalha um maior fluxo de investidores e clientes de fora do circuito local. “Não desmerecendo o Silvio (Meira, cofundador do Porto Digital), mas a gente tem que trazer ‘o Silvio do Vale do Silício’, senão não vai ter influxo”, opina Diniz, que lembra a fala de um palestrante convidado para um dos eventos promovidos pela Manguezal: “Ele me disse: ‘Eu moro em Seatle, são x horas para Dallas, são x horas para São Paulo, são x horas para Recife. Eu não tenho esse tempo para perder. Me desculpem, eu não vou’.”
Então entra em ação o velho ditado popular “Se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé”. Na visão dos integrantes da Manguezal, as distâncias precisam ser percorridas pelos empreendedores interessados. Ir até as cidades onde acontece a dinâmica própria das startups é necessário para que haja conexão, troca de ideias, networking. Abrir a mente, conhecer pessoas novas, propostas diferentes, tem sido o principal legado desse tipo de relacionamento. Nesse tipo de conversa, os atrativos das startups do Recife podem ser apresentados, por exemplo. “A gente precisa conversar com as pessoas para fazer com que elas enxerguem o que está aqui. Porque chega, se impressiona com o local e com as pessoas. Com a criatividade, temos um povo muito rico, muito enérgico e com potencial”.

Essa capacidade das pessoas da área de TI do Recife é unanimidade entre Leo Zeba, Thiago Diniz e Marina Mota. Eles lembram da quantidade de pessoas que hoje atuam para empresas internacionais e que saíram da capital pernambucana. Esse fluxo é visto com um olhar um tanto “bipolar”. Ao mesmo tempo em que se orgulham do potencial desses profissionais, ponderam que a cena local os deixou escapar por questões como salários mais competitivos do que os oferecidos no Estado, ou mesmo no País. “Os caras vêm recrutar aqui, pra roubar gente de Pernambuco. A gente não fica pra trás em mão de obra”, resume Diniz.
A falta de investimentos gera baixa competitividade e, com isso, a perda de mão de obra qualificada. Esse ciclo precisa ser interrompido, segundo os fundadores da Manguezal. Para Leo Zeba, um dos principais desafios disso, no entanto, é falta de entendimento dos empreendedores locais sobre o tamanho do jogo que envolve as cifras a serem atraídas para as startups. “Dinheiro tem, é preciso saber pedir”, decreta. Já Thiago Diniz acredita que é preciso trabalhar mais em busca de conexões. Ele cobra a presença de community managers nas empresas pernambucanas para que esses profissionais possam captar oportunidades:
“Você tem no vale do Silício gente contratada para fazer conexão, que são os community managers. Você tem em vários polos, como Floripa, que têm pessoas contratadas para poder fazer conexão.”
É preciso ter mais infraestrutura para startups
Zeba, no entanto, pondera que a existência de community managers seria apenas a ponta do iceberg. Na visão dele, a falta infraestrutura em locais como o Porto Digital é um problema de resolução urgente para que as empresas locais se desenvolvam. São dificuldades como falta de internet de qualidade, o que para esse ramo trata-se de fibra ótica potente, ou falta de segurança nos arredores dos empreendimentos e até mesmo poucas vagas para estacionar o carro, ou a ausência de um gerador no prédio onde a empresa está instalada.
Outro ponto levantado por ele é que, em tecnologia, um ramo onde o fuso horário é estabelecido pelas necessidades do cliente — que não precisa estar no Brasil —, a disponibilidade do horário de funcionamento dos empresariais faz diferença. Essa falta de infraestrutura é um dos motivos de algumas empresas optarem por deixar a chamada “Ilha”, Recife Antigo, onde o Porto Digital se desenvolveu. Áreas nobres como Poço da Panela e Casa Forte, na Zona Norte do Recife, têm ganhado empresariais que oferecem o que os empreendedores procuram: segurança, internet de qualidade, e comodidade para eles e seus convidados. Diniz concorda e diz que o básico pode parecer fútil, mas é o necessário.
União faz a força para o futuro
Para além das questões de infraestrutura no Porto Digital, o setor de Tecnologia da Informação em Pernambuco está consolidado. Mesmo que as empresas estejam instaladas fora do Recife Antigo, elas formam um ecossistema forte e promissor. No entanto, na visão dos fundadores da Manguezal, para que as startups locais consigam progredir ainda mais e atrair investimentos, é preciso união. Trabalhar em conjunto, uma startup ajudando a outra, pode ser uma força de fortalecer o setor.
Essa corrente pode ganhar forma na realização de mais eventos de tecnologia, que acabam por atrair investidores, ou mesmo facilitar trocando experiências entre as empresas recém-criadas. Essa foi a base para a criação da Manguezal e é em busca desse objetivo que a comunidade seguirá. “É pra chegar pro investidor e dizer: ‘Tem mais de 300 empresas lá em Recife. Tem uma que faz isso, outra que faz aquilo’. Precisa explorar esse volume, tem que comunicar, trabalhar em conjunto e não individualizar. Essa é minha dinâmica”, disse o cofundador da Manguezal, Leo Zebal.
Assista a um compacto da conversa entre Diniz, Marina e Zeba: