
Que as inovações tecnológicas são a mola propulsora de mudanças no mercado de trabalho e no modo como as relações profissionais se organizam ninguém duvida. A questão de um milhão de dólares é: como abarcar os trabalhadores que desempenham funções tornadas obsoletas à medida que as tecnologias se refinam em velocidades cada vez mais espantosas?
O questionamento não é de hoje nem tem resposta simples, como se viu no encontro que o projeto Memória do Futuro promoveu entre Algacyr Formiga, Jairo Cabral e Walter Octaviano. A intenção do bate-papo era falar sobre o surgimento e a atuação da Associação dos Profissionais de Processamento de Dados (APPD) em Pernambuco nesse contexto, mas, com tantas memórias trocadas naquela tarde de conversa no Café Liberal, no Recife Antigo, a pauta se estendeu para horizontes ainda mais amplos.
A relação entre Formiga e o mundo da informática começou ainda na adolescência. Ele passou por diversos ambientes e funções até virar dono da própria empresa. Participou da fundação da APPD e, posteriormente, do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Informática, Processamento de Dados e Tecnologia da Informação de Pernambuco (SindPD/PE). Conheceu também o sindicalismo do lado patronal, tendo presidido por dez anos o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados do Estado de Pernambuco (Seprope). “Eu tenho um trabalho nas duas pontas, essa movimentação aí dos dois lados”, comenta.
Jairo Cabral, por sua vez, foi funcionário de carreira do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), onde entrou após concluir sua formação na IBM e lá permaneceu até fevereiro de 2019. “Integrei o movimento desde o início, fui presidente da APPD por dois mandatos. E participei de todo o processo que levou à criação do SindPD”, relembra.
Walter Octaviano fecha a trinca com sua experiência consolidada no campo acadêmico – mas antes de se dedicar à docência na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e à formação dos primeiros profissionais de nível superior no Estado, nos anos 1970, trabalhou na iniciativa privada e foi um ativo participante das reuniões que resultariam na criação da APPD. “Antigamente a gente se reunia em bares, como o Mustang, ali na Conde da Boa Vista. Fiz parte do conselho fiscal da primeira diretoria”, conta, sorrindo.
A APPD surgiu em 1978, para preencher um vácuo então existente: o ponto de vista do profissional não era considerado no mercado de trabalho, uma vez que a única entidade existente era a Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações (Sucesu). “Mas a Sucesu só promovia intercâmbio entre empresas e permitia aos fabricantes fazerem propaganda de seus produtos. Faltava, naquele momento, uma visão do profissional. Existia um sentimento de que era necessário se criar uma identidade de classe, mas essa identidade era muito fragmentada. A fundação da APPD agregou isso. Transformou aquele grupo que tinha problemas em comum, que trabalhava nas mesmas coisas, numa associação”, lembra Formiga, que complementa:
Não existia, em boa parte do pessoal que entrou naquela época, nenhuma consciência de uma atuação mais política. A visão era mesmo agregar o profissional em torno de questões comuns, mas que estavam na cabeça de cada um”.
Jairo reforça esse entendimento e resgata o viés histórico. O regime militar que vigorava no Brasil tinha seus representantes dentro dos sindicatos, uma vez que as diretorias foram destituídas após intervenção federal. “Foram nomeados dirigentes que comungavam com os princípios e com os conceitos do governo militar. Então não existia a possibilidade de se fazer uma militância nos sindicatos, porque isso era vedado, não tinha nem campanha salarial. As associações profissionais surgiram como alternativa de militância para aqueles trabalhadores que não tinham a alternativa de fazê-la nos seus órgãos de representação”, contextualiza.
Assim, a APPD Pernambuco tornou-se esse ambiente em que era possível discutir questões referentes ao cotidiano profissional. “As pessoas se congregaram no sentido de ter um espaço a partir do qual fosse possível realizar debates que, no dia a dia, com as rotinas de cada um, eram impossíveis de fazer. Nesse período, a informática já sinalizava, pela sua própria natureza, que teria um papel determinante como uma ferramenta que facilitaria a realização de outras atividades”, pontua Jairo.
Divisões dificultam regulamentação
A fundação da APPD foi a alternativa mais viável, uma vez que o regime militar não via com bons olhos a criação de sindicatos em uma área já considerada vital (apesar de ainda engatinhando) dentro da economia nacional. No entanto, não havia uma homogeneidade no perfil dos integrantes da associação, o que gerou, por sua vez, divisões internas. Entre os presentes, estavam gestores de empresas, ligados ao patronato, e também os trabalhadores, por sua vez distribuídos em dois grupos distintos: analistas e programadores de um lado, equipes de produção de outro. “Enquanto você tinha os programadores e analistas que estavam fazendo um trabalho pensante e tinham um expediente de gente, o cara da produção tinha que alimentar o centro de processamento de dados o tempo inteiro, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, comenta Formiga.

Jairo aponta que a distinção entre os próprios trabalhadores escancarou a proletarização do segmento da produção, que acontecia de forma muito abrangente e intensa. “Final de semana você não encontrava nem analista nem programador na empresa. Só excepcionalmente, se desse um problema de sistema. Agora, os trabalhadores da área de produção trabalhavam quatro turnos ininterruptamente: manhã, tarde, noite e madrugada. Geralmente o da madrugada era um pouco mais enxuto, mas existiam os quatro turnos.”
O contexto que Jairo aponta foi resultado da falta de regulamentação das profissões ligadas ao setor de informática e processamento de dados, que não aconteceu até hoje. Junto com a sindicalização e a qualidade da formação da categoria, essas foram bandeiras defendidas pela APPD/PE, depois encampadas pelo SindPD/PE.
Tudo isso se deu no momento que a informática estava saindo da fase de simples processamento de dados e ganhando importância na definição das estratégias das empresas. “Em relação à formação dos profissionais, a gente tinha a UFPE desde 1975 e a Católica (Unicap) a partir de 1982. E quem não vinha da universidade era formado pelas empresas. Então tinha uma discussão também se isso era adequado ou não. No cotidiano de operação, também se precisava de treinamento porque os equipamentos estavam se modernizando, com máquinas que exigiam um nível diferente e esses profissionais também não estavam tendo essa formação”, aponta Walter.
A regulamentação teve ramificações mais complexas. Mesmo tendo sido uma bandeira muito forte para trazer os profissionais de produção para dentro da APPD, ela se mirava em categorias que eram representadas por extratos mais ricos da sociedade e alimentava a diferenciação interna que já existia no movimento. É Formiga quem resume:
Ninguém estava pensando, naquele momento, na base da pirâmide. Existiam, inclusive, correntes que achavam que a base da pirâmide não deveria ser regulamentada. Então, naturalmente, essa foi uma das coisas que depois virou ponto de confronto.”
Jairo lembra que a sindicalização e a discussão de uma política nacional de informática foram os outros pontos que basearam a criação da APPD. “Tudo isso se relaciona, pois, na medida em que a tecnologia passou a ter um uso mais amplo, também exigiu um olhar mais crítico sobre como deveria ser implementada. Porque era necessário avaliar que impacto isso provocava em relação a outras profissões que, com a adoção dessas tecnologias baseadas na informática, passaram a sofrer encolhimento”, pondera.
O impacto é visível, por exemplo, nos números do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) trazidos por Jairo. “O Serpro chegou a ter 33 mil trabalhadores. Hoje em dia, são 8.800 que produzem três vezes mais do que se produzia nos anos 70. O debate da política de informática nos punha diante desse desafio, de discutir isso e criar uma identidade da categoria, congregando todos os segmentos que dela faziam parte”.
A vigilância do regime militar não foi o único obstáculo enfrentado pela APPD. No momento em que o debate sobre a regulamentação da profissão ganhou corpo, muita resistência se apresentou por parte dos representantes do patronato e de pesquisadores, fabricantes e profissionais da área de serviços. “O argumento principal era que a velocidade com que essa tecnologia se transforma faz com que determinadas atividades surjam e outras desapareçam numa velocidade muito intensa. Então regulamentar de que maneira? Nunca se chegou a um acordo com relação a isso”, lamenta Jairo.
Associativismo pavimenta caminho para sindicalismo
Consolidada como o espaço de debate por excelência, mas sofrendo dos conflitos naturais de um ambiente que convive com a diversidade, a criação da APPD levou à fundação do SindPD, dentro de um contexto histórico em que a atividade sindical passava a ganhar força no Brasil novamente, nos anos 1980. “As associações de cunho civil não tinham poder de negociação, por conta da legislação vigente no País. O Ministério do Trabalho não aceitava negociar com uma APPD, por exemplo. Qual era o debate que nós fazíamos? Precisamos criar um sindicato, porque assim vamos estar em conformidade com a legislação e vamos poder negociar”, afirma Jairo.
Na lembrança de Formiga, não houve uma ruptura entre APPD e SindPD, apenas uma acomodação natural, fruto da distinção de papéis entre as duas entidades. “Primeiro a gente se associou em torno de interesses comuns, muito embora as visões fossem divergentes em alguns pontos. A partir daí, se viu a necessidade de criar um sindicato, mas para criá-lo tinha um processo. A APPD permaneceu sendo o ponto de contato dessas pessoas e, quando se criou o sindicato, a gente ainda permaneceu com a APPD por um tempo, até se entender que não tinha mais sentido, porque todas as questões já estavam sendo tratadas dentro do sindicato, com representação legal”, conta.
Oficialmente estabelecido em outubro de 1985, o SindPD passou a representar os interesses dos profissionais de informática e processamento de dados nas discussões e negociações referentes ao exercício das profissões do setor. O grupo mais significativo no sindicato era formado pelos funcionários de empresas públicas ligados à área de produção. “Tínhamos muito poucos analistas de sistemas participando de fato. Nas primeiras negociações coletivas, eles não tinham o menor interesse nas questões que não os afetavam. A doença profissional, por exemplo, atingia principalmente a área de produção. E quando se regulamentou que a jornada de trabalho do digitador seria de 6 horas, para protegê-los da doença profissional, esse cara passou a trabalhar em duas ou três empresas diferentes”, relembra Formiga.
Segundo Jairo, outra tentativa do SindPD de reduzir o impacto dos movimentos repetitivos na saúde profissional foi a criação de um intervalo obrigatório, firmado em um acordo nacional com os principais contratantes do mercado – Serpro, Dataprev e Datamec. A cada 50 minutos trabalhados, o digitador tinha 10 minutos para repouso e exercícios das mãos. “Eles eram orientados a esticar os dedos, as mãos, os braços. Mas, no turno da noite, sabe o que acontecia? As pessoas preferiam acumular os minutos e sair mais cedo, por causa da demora do transporte”, lamenta.

Walter resume o sentimento: “Era produzir e produzir”. Ex-funcionário do Banorte, ele se lembra da chamada “Tumba”, um andar sem janelas na antiga sede do banco, no Centro do Recife. Formiga também conheceu esse local. “Era a sala do suporte técnico. Você descia uma escadinha e trabalhava naquele negócio ali sem ver absolutamente nada. Quando olhava para o relógio, eram oito da noite. Não se pensava na condição de trabalho de ninguém. Anos depois, quando o Banorte mudou para o bairro da Torre, já era um espaço aberto, um outro tipo de relação com o ambiente”, conta.
Apesar de todas essas dificuldades, um dos frutos positivos gerados pela APPD e, posteriormente, pelo SindPD, foi o estímulo que essas entidades deram às empresas para, pelo lado dos patrões, também se organizarem, beneficiando todo o segmento. “O impacto do surgimento das organizações dos trabalhadores contribuiu para organizar o setor como um todo, do ponto de vista da representação de uma classe. O patronato se organizou em função do aparecimento dessa organização dos trabalhadores”, pontua Jairo. A opinião de Walter caminha no mesmo sentido:
O surgimento da APPD e, por consequência, do sindicato, forçou as empresas a olharem com mais cuidado para a relação sindical, que envolvia diretamente seus profissionais.”
Formiga também concorda. “Quando surgiu a APPD para representar os profissionais, as empresas criaram a Assespro, que ainda hoje existe, mas com foco maior na questão de mercado. Com o surgimento do SinPD, surgiu também o Seprope, para cuidar da questão sindical do lado empresarial”, compara.
Revolução tecnológica x revolução do trabalho
Apesar do avanço tecnológico visto nos últimos 40 anos, muitas das dificuldades encontradas no surgimento dessas entidades ainda permanecem – algumas até em graus mais severos que antes. “Nós tivemos a oportunidade ímpar de acompanhar essa escalada da informática. A diferença é que levamos séculos para chegar à Revolução Industrial, por exemplo, mas, com a revolução da tecnologia, passamos de cartões perfurados a smartphones em apenas décadas”, compara Formiga.
Naturalmente, a profundidade das mudanças provocadas pela tecnologia da informação, bem como sua velocidade, tem impactos em todas as esferas da sociedade – e o mercado de trabalho é um reflexo permanente dessas alterações que seguem em curso. “Um dia desses eu fiz uma brincadeira com o pessoal: vamos começar a relacionar quantas profissões acabaram no mundo do trabalho. E a gente parou porque cansou. É uma tendência natural? É, porque a humanidade vai evoluindo e se adaptando. Mas tem o lado cruel do desemprego, que a própria economia tem que tentar ajustar. Por exemplo: quem controlava o estacionamento de um shopping? Um camarada que você chegava lá e pagava. Onde é que está esse camarada? Hoje nem caixa mais você tem. É uma máquina automática, você faz o pagamento e se libera sozinho. Isso é um processo inevitável”, acredita Walter.

Os bancos também se beneficiam imensamente da tecnologia, especialmente no Brasil, um dos maiores mercados mundiais quando o assunto são aplicativos bancários e internet banking. “A digitadora de hoje é a pessoa que entra no site do banco para fazer uma operação. Antigamente, você tinha que escrever num papelzinho, levar para o digitador e aquilo ser processado num computador à noite. Com a evolução das telecomunicações, que levaram o processamento para o usuário, o cliente faz o trabalho do digitador no smartphone”, ressalta Formiga.
Walter lembra que, quando ainda trabalhava no Banorte, uma agência do Recife enxugou o quadro de pessoal, passando de 300 para 50 funcionários, depois de um processo que racionalizou procedimentos e centralizou atividades, a partir do desenvolvimento de soluções tecnológicas. “Se a gente acompanhar o contexto da Revolução Industrial e tudo que aconteceu de lá para cá, no setor automotivo, por exemplo, os impactos se mostraram nas décadas de 1980/90 e, no futuro, vão continuar presentes. A sociedade tem que se preocupar com isso. Porque, mesmo considerando que existe uma expectativa de diminuição da população mundial, ainda não chegamos lá. A gravidade da questão do desemprego é mundial”, defende.
Do ponto de vista de Jairo, é necessário tempo para que essas mudanças se acomodem. “Essa transformação foi muito avassaladora. Quando se tem uma mudança muito rápida, leva-se um tempo considerável para chegar a um ponto de equilíbrio. Para onde essas mudanças vão nos levar, como nos impactam enquanto sociedade, como determinam o reordenamento dessa sociedade em novas bases? Temos que nos questionar”. Ele complementa:
É difícil fazer previsão, mas temos algumas pistas. Teóricos e estudiosos dizem que, no futuro próximo, só quem vai conseguir viver com dignidade e conseguir espaço no mercado de trabalho é quem souber construir algoritmo. Quem não souber está fora.”
Mas o impacto da informática no mercado de trabalho não deve ser visto, apenas, como fator de precarização das relações profissionais. Consolidada em seu caráter estratégico, a tecnologia da informação também oferece um sem-fim de funções qualificadas e um número ainda maior de vagas a serem preenchidas.
“Do ponto de vista da oferta, eu diria que é insuperável, hoje. Não existe setor que gere mais empregos, em velocidade, do que TI. Há algum tempo eu dizia que, a cada cinco anos, você tem que rever seus conceitos na área de informática, porque mudou tudo. Hoje, não. Hoje é um ano, no máximo. E tudo isso pode ser oportunidade. Por exemplo, atualmente, você desenvolve um sistema na Índia para um usuário aqui no Recife, e vice-versa. Você tem gente aqui desenvolvendo para um contratante que está em outro lugar, na Escócia, na Dinamarca. São mudanças nas formas de trabalho, uma revolução completa ao longo desse tempo”, analisa Formiga.
Para fazer esse equilíbrio de forças acontecer, o questionamento permanente é indispensável. Como é possível que a tecnologia seja a vilã que suprime funções e gera desemprego se, ao mesmo tempo, também cria novas oportunidades em frentes de trabalho até então inexistentes? “São pessoas desempregadas que estão acessando o Uber, que estão fazendo entrega nesses deliveries todos. A tecnologia favorece, mas é isso que a gente quer para a sociedade no futuro? Provavelmente se deseja algo melhor, mas é uma possibilidade que a tecnologia termina oferecendo para alguns segmentos que estão fora do mercado de trabalho. A questão não é discutir a tecnologia, em si, mas como ela pode ser usada para o bem”, defende Walter.
Formiga compartilha essa visão. “A tecnologia vai estar aí de todo jeito e sempre vai evoluir. O que falta é marco regulatório, porque são situações fora da legislação trabalhista. Essa é uma busca que todo governo está tentando fazer, de alguma maneira, mas sempre dentro do contexto da briga eterna pelo poder hegemônico.”
Modelos de desenvolvimento tecnológico
Quando se fala em hegemonia e TI, é importante considerar um fator em comum que grandes negócios do setor compartilham: de uma forma ou de outra, mesmo que seja ofertando serviços diferentes entre si, todos concentram grandes quantidades de informação sobre seu público. A computação em nuvem é um bom exemplo.
“Ela tira os seus dados que estão aqui, no seu computador, para um lugar que você não sabe onde é. E às vezes a coisa é tão tecnologicamente complexa que pode estar em três países diferentes. Tenho até uma tese particular: em mais cinco anos, teremos três ou quatro fornecedores de nuvens, e só. Com o aumento do tamanho dos data centers, ganha-se uma escala de preço cada vez mais barata para o usuário. E isso é uma ameaça para todo mundo, na hora que esses data centers começarem a se deslocar para países que têm energia e mão de obra mais barata. Para esse tipo de coisa, a gente vai demorar a achar formas de regular”, avalia Formiga.
A inteligência artificial também se encaixa nessa análise. “Ela está sendo desenvolvida em tantos lugares que daqui a pouco ninguém vai saber qual o algoritmo que está por trás. Mas isso vai ser propriedade de alguém, mesmo assim. Uma pessoa, uma empresa que vai deter inteligência e vai atuar no mundo inteiro. Para quem produz pode ser bom, mas para quem vai sofrer esse impacto, não temos como avaliar ainda”, acredita.
Para Jairo, essas questões estão relacionadas à produção e à circulação da informação. “Anos atrás, poucos tinham acesso à informação. Hoje você tem muita informação, produzida por ‘n’ fontes, e a dificuldade, por falta de uma leitura mais crítica, é separar o joio do trigo. Essa confusão cria uma cortina de fumaça muito grande sobre o que de fato está se fazendo em termos de tecnologia, disfarçando as relações com o poder hegemônico, deixando nas entrelinhas. A disputa de poder, hoje, está nessa área. Quando a China aponta soluções e faz com que os EUA assumam uma posição hostil, como no caso da Huawei, isso é uma demonstração clara do jogo de poder que está sendo jogado”, aponta.
E o jogo envolve modelos globais de desenvolvimento tecnológico e a posição de protagonismo que essas nações não querem perder. Para Formiga, “a briga do Trump não é uma disputa econômica com a China. É uma briga por um modelo tecnológico que vai ser implantado e que tem os chineses na dianteira. Então eles entenderam que, se deixarem os chineses ficar na frente, não tem mais como segurar”.
O que será que esses modelos tecnológicos pretendem? Para Jairo, os países precisam colocar esse questionamento na ordem do dia. “Qual é o tipo de sociedade que a tecnologia da informação ajuda a construir? É possível trabalhar no sentido de construir uma sociedade que seja minimamente mais justa? Posso ter programas que formem as pessoas que não têm condições de acessar os espaços que fornecem a formação mais sofisticada? Esse é o debate que a sociedade tem que fazer”, defende ele. Nesse quadro, a posição do Brasil é crítica, de acordo com Jairo: “Temos um processo de industrialização no Brasil muito grande, e isso atinge a área de TI também. A indústria, que empregava 27% de mão de obra, há dez anos, hoje emprega 13%. Adequar o País a esse novo fluxo de interesses econômicos e de poder significa, nas circunstâncias de hoje, reacender uma tendência que estava sendo superada no Brasil, que é ser fornecedor de matéria-prima. Isso é um absurdo e evidentemente tem impacto em todos os segmentos econômicos do País. E a TI não está invulnerável a isso.”
Assista a um compacto da conversa entre Jairo, Formiga e Walter:
Muito boa a reportagem. Tive grande participação neste período.
Abraços nos 3 que são amigos e trabalharam comigo.
Muito realista a reportagem.