Empreender não pode ser apenas “bacana”

Herman Braga mostra como aplicou a experiência com um dos primeiros provedores de internet em Pernambuco na jornada empreendedora numa área totalmente nova.
Luiz Vieira, Carlos Ferraz e Herman Braga
Luiz Vieira, Carlos Ferraz e Herman Braga levaram a entrevista em clima de reencontro – Foto: Virgínia Rodrigues


Investir num provedor e na implantação das primeiras redes de internet no início dos anos 1990 era como se aventurar num novo mundo que ainda estava sendo descoberto. O fascínio pela tecnologia e a vontade de empreender numa área que poucos conheciam, mas de grande perspectivas, fez alguns empresários pernambucanos apostarem no negócio. Pela primeira vez,  tanto usuários residenciais como corporativos conectavam-se ao universo virtual. Ao mesmo tempo em que concorriam entre si, esses empreendedores se encantavam com as possibilidades oferecidas pela internet e vibravam também com a conquista de um mercado que se expandiu em larga escala nas últimas décadas. Cheio do deslumbramento e da coragem que a atuação no novo segmento exigia, Herman Braga, com o provedor Truenet, está entre esses pioneiros.  

Braga conversou com Carlos Ferraz, professor do Centro de Informática da UFPE (CIn/UFPE), e com o consultor Luiz Vieira, ex-superintendente da Elógica. Eles falaram sobre os primeiros anos da Truenet e sobre como a empresa e o mercado pernambucano evoluíram ao longo desses quase 30 anos: do acesso discado, com as primeiras contas de e-mails, até o momento atual, das redes super-rápidas para troca de informações. Num bate-papo descontraído e repleto de boas lembranças, o Memória do Futuro conta mais um capítulo da história da tecnologia da informação em Pernambuco.

“A primeira vez em que ouvi falar de internet, especificamente, eu estava fazendo um trabalho para a TGI, no Rio de Janeiro, num projeto para a Eletrobras. Quando cheguei no Recife, comecei a conversar sobre isso com um cliente que já havia usado a internet na Inglaterra. Era um momento em que começava este movimento na universidade (UFPE) e também em que tinha início a Rede Cidadão, criada por Cláudio Marinho”, conta Herman Braga, lembrando que esse também foi o contexto da criação da Softex Recife e das primeiras conexões. Os poucos modens operavam a uma velocidade hoje considerada muito baixa. “A gente não conseguia fazer nada porque era muito lento”, conta Braga.

Depois desse primeiro contato, Braga trouxe para o Recife, com Aluísio Acioli, um curso da empresa HSM, de São Paulo, sobre redes e internet, realizado no Mar Hotel. “O cara que veio dar o seminário disse que montar um provedor de internet era muito simples. Então eu falei: Aluísio, vamos montar um negócio desses, não é complicado não!”, lembra Herman Braga, provocando risos de Carlos Ferraz e Luiz Vieira.

Para definir que equipamentos comprar e a forma de iniciar a empresa, Herman consultou Alexandre Pinto, da Rede Cidadão, e Marina Rosas, que na época trabalhava para a T&T, numa divisão que fabricava o RAS (Remote Access Service). Foi Rosas quem sugeriu que usassem o RAS – comprado por Herman Braga numa feira de tecnologia em São Paulo, após conhecer a tecnologia que os primeiros grandes provedores nacionais estavam lançando. “Uol, Bol, Mandic são todos da mesma época. A gente teve um ‘gap’ entre São Paulo e o Recife muito curto”, recorda o empresário.

O primeiro equipamento a compor o que viria a ser o Truenet era um RAS da Livingston, com CPU 286 e 30 portas serial. Tinha uma saída Ethernet e uma saída de rede e fazia todas as configurações do sistema operacional sozinho. A Truenet precisava agora de um link de rede para começar a funcionar, mas é preciso lembrar que no início dos anos 1990 as empresas de telefonia no Brasil ainda eram estatais. Depois de tentar o link junto à Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) em Pernambuco, a Truenet recorreu à Embratel, cuja maior dificuldade consistia em fazer a conexão para o endereço do novo provedor.

“Quem fazia isso era a Telpe. Tem que lembrar que em 1993 a gente ainda não usava a web, foi nessa época que vi um browser pela primeira vez. Tudo aquilo chamava muito a nossa atenção e ficamos com uma vontade enorme de resolver. E foi assim que nasceu o Truenet, numa feira de informática, com um estande bem pequeno, um computador e um adesivo que colocamos atrás. Mas estávamos conectados à internet”, lembra, com uma mistura de saudosismo e orgulho, Herman Braga:

“E foi assim que nasceu o Truenet, numa feira de informática, com um estande bem pequeno, um computador e um adesivo que colocamos atrás. Mas estávamos conectados à internet.”

Nesta feira a empresa começou a cadastrar os futuros clientes. Com uma demanda elevada, em apenas três meses o Truenet já atendia cerca de mil usuários e no primeiro ano expandiu as atividades para outras cidades do Nordeste, como Natal, Aracaju e Fortaleza. Bem humorado, Herman brinca que se não fosse a estratégia agressiva da Elógica, seu principal concorrente, o Truenet teria se mantido de vento em popa no mercado sem muito esforço. 

“A Elógica entrou arrasando, oferecendo um serviço grátis por vários meses e a gente viu que tinha que correr para competir”, completa o empresário, destacando que neste momento várias pessoas planejavam seguir o mesmo caminho e montar provedores de internet, incluindo Belarmino Alcoforado, da Elógica, e a NET PE, que já tinha um BBS (software que permite a conexão entre um telefone e um computador) antes do surgimento da internet.

 

Empreender sem planejar e sem capital

Com uma demanda grande pelos serviços e uma lista de clientes que só fazia crescer, Herman Braga reconhece que iniciou o Truenet praticamente sem capital e também sem plano de negócios – algo inusitado se pensarmos nas startups atuais. O negócio foi montado praticamente na vontade de fazer e sem pensar diretamente no retorno financeiro do investimento.

O dinheiro investido veio de um sócio, que aportou US$ 25 mil e depois emprestou mais US$ 25 mil, pagos ao longo do tempo pelos novos empreendedores. Hoje em dia esse recurso não seria suficiente para montar a empresa e competir no mercado, mas em 1993, com algumas parcerias, Braga e os sócios avançaram com o Truenet pelo Nordeste do Brasil. “Foi uma expansão rápida. No mesmo ano, o parceiro da gente, a TV Cabugi, implementou a rede em Natal – e nessa hora a gente ganhou um dinheirinho. Em Aracaju, a gente colocou a rede numa universidade.”

É interessante frisar que esse investimento seria o que depois veio a ser chamado de “anjo” nos planos de alavancagem de uma startup de tecnologia. Aquela pessoa que não tem necessariamente o conhecimento tecnológico, mas tem os recursos e acredita nos resultados do empreendimento a ponto de bancar o desenvolvimento da ideia.

Luiz Vieira lembra que não se falava em plano de negócios e era o dia a dia que norteava as ações das empresas de tecnologias formadas no boom do início da internet. “A história de Herman  mostra os pioneiros e a gente sabe que os pioneiros até certo ponto são um pouco ingênuos. Aquele pensamento de que se faz ‘com o pé nas costas’. Hoje, qualquer pequena empresa formada na universidade tem um plano de negócios”, compara. “Você acha que vocês eram loucos ou simplesmente ingênuos?”, questiona Vieira.

Braga acredita que havia um pouco das duas características, mas que acima de tudo existia uma vontade de que aquilo acontecesse, mesmo que não se soubesse ainda para onde iria caminhar a novidade tecnológica. “No início a gente não sabia muito até onde poderíamos chegar, era um pouco como uma enciclopédia de um jeito mais sofisticado. Tinha o e-mail e acabou o fax, mas a gente sentia essa demanda e a Rede Globo e todas as revistas falavam que aquilo ia ser bom pra caramba. A gente acreditou que seria e esse foi o plano de negócios”, explica Herman, provocando mais risos nos colegas.

Carlos Ferraz concorda que num primeiro momento existia muito mais o efeito da mídia dizendo que aquilo ia acontecer e funcionar, do que propriamente uma realidade de que daria certo e de que haveria um mercado.

Herman Braga lembra que a novidade da internet transformou os empresários do setor em um tipo de “popstar”, com inúmeras reportagens sobre o assunto nos jornais locais e várias demonstrações de como funcionava a nova ferramenta. Tal atenção fez o empresário parar outras atividades para investir todo o tempo e todos os recursos no Truenet. Com o tempo, ele acabou percebendo que esse não era o caminho, pois o retorno do investimento era muito baixo. “A Truenet ia muito bem, obrigada. Mas a gente passou muito tempo sem ganhar dinheiro. Não dava retorno. Era muito empolgante, mas eu pensava: eu vou viver de quê?”

 

 

Herman Braga e Carlos Ferraz
Carlos Ferraz perguntou a Herman sobre a “loucura” dos primeiros anos de empreendedorismo – Foto: Virgínia Rodrigues


Loucos e visionários

Ferraz conta que em 1995, quando terminou o doutorado na Inglaterra, foi chamado por Silvio Meira para conversar com o então secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Sérgio Rezende. Os dois acreditavam que o segmento de internet comercial iria prosperar e chamaram Ferraz para trabalhar no POP do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), com a intenção de consolidar esse segmento dentro do Estado, buscando negócios para o ponto de presença do Itep.

Nessa época, a oferta do serviço de acesso à internet era tão recente que os empresários não tinham a ideia exata do valor que seria possível cobrar do usuário. Luiz Vieira explica que na Elógica a decisão sobre o preço final ofertado ao cliente foi decidido numa reunião entre ele, Belarmino Alcoforado e Clóvis Lacerda, apenas comparando o valor cobrado nos Estados Unidos e fazendo uma conversão simples para o real. “Nos Estados Unidos é uma hora por um dólar, então vamos fazer 20 horas por 20 reais. Não teve plano de negócios, nem planejamento”, lembra. Dos concorrentes, a Embratel cobrava R$ 3,50 a hora, enquanto o pacote do Truenet custava R$ 36 por 18 horas. Ao ouvir a história, Carlos Ferraz pontua:

A história de Herman mostra os pioneiros e a gente sabe que os pioneiros até certo ponto são um pouco ingênuos. Aquele pensamento de que se faz ‘com o pé nas costas’. Hoje, qualquer pequena empresa formada na universidade tem um plano de negócios.”

Com a entrada dos concorrentes no mercado e sem planejamento, Herman Braga reconhece que o Truenet poderia ter ido à falência se não tivesse mudado o foco para o mercado corporativo. Enquanto a Elógica seguia na direção do usuário residencial, o Truenet mirou no segmento empresarial – agora com uma estrutura comercial e vendedores treinados. “Foi outro boom! Com os websites, as empresas conseguiam dizer o que faziam de uma forma rápida e barata. Com o tempo, passamos a fazer sites interativos e em seguida veio o e-commerce. Tudo isso aconteceu muito rápido, num espaço de no máximo um ano e meio. Outro segmento foi o das agências de publicidade. Nossa ideia era fazer com que a internet entrasse no plano de mídia das empresas”, explica Braga.


A importância do foco

Mesmo com muito sucesso no fornecimento dos serviços e com uma carta de clientes vasta, Braga diz que a realidade era que a empresa ia à falência e se reerguia sucessivamente. A falta de foco nas atividades, a multiplicidade de negócios gerenciados e a velocidade com que as máquinas ficavam obsoletas criavam um ambiente instável para a empresa. Até que em 2001, os sócios decidiram encerrar as demais atividades e ficar apenas com o provedor de internet e uma empresa de criação de softwares.

“A gente quebrava praticamente todo ano. O equipamento ficava obsoleto muito rápido e chegou uma hora que a gente pensou que estava fazendo muitas coisas e não tinha retorno. É preciso lembrar que era muita concorrência e um ambiente de guerrilha. Além do Truenet, tinha Elógica, N-Link, Hotlink, NET PE, Cyberland. Então num determinado momento a gente decidiu que muita coisa poderia ser terceirizada e seguimos assim até a chegada da banda larga”, complementa Herman, explicando que este foi um segundo momento no qual o Truenet se associou à Cyberland e à NET PE para concorrer nesse mercado.

Depois da Truenet, Herman Braga chegou a montar uma outra empresa chamada Surfix – de internet para condomínios, numa parceria com a Aresk e Filipe Aguiar, em 2007. A empresa teve mais de quatro mil clientes pessoa física, quando Herman se retirou da sociedade, antes da chegada do 3G. A Surfix existe até hoje e é um dos maiores grupos na área de telecomunicações para o mercado corporativo no Nordeste.

 

Presente e futuro no setor de tecnologia

Prestes a completar 60 anos e com muita experiência acumulada, Herman Braga entende que para alcançar o mercado nacional e global as empresas de tecnologia em Pernambuco devem investir em vendas; buscar novos clientes e novos mercados. “A gente se bastava demais. O que a gente fazia era tão bacana, dava tanta satisfação que pra que vender? Todos nós em algum momento quisemos expandir para São Paulo, mas ninguém quis se mudar pra lá. Quantas vezes ouvimos um “venha na próxima semana pra gente evoluir nesta conversa” e adiamos a ida por mais tempo?”. A reflexão dele continua:

“Se não introduzir na alma esse conceito de que precisa vender, o produto vai ficar bacana. Sempre fica bacana. Mas e aí?”

Para Herman, que deixa clara sua visão capitalista, venda é sinônimo de aumento dos rendimentos de quem faz parte da empresa. “No fim, tem que gerar riqueza, tem que mexer na variação patrimonial do Imposto de Renda da pessoa física. Senão, foi apenas bacana”. Luiz Vieira complementa: “Costumo dizer que na verdade é porque o cara (empresário) se encanta mais com a rede que com o mar. Penso que tem aí uma nova geração que já nasce mais encantada com o mar, nesse sentido de que precisa buscar o seu mercado”. Para Carlos Ferraz, algo que não pode ser deixado de lado nesse “mindset vendedor” é o lado humano das vendas, a necessidade de ter pessoas no meio do caminho para ajudar as pessoas a comprarem o que elas precisam. Algo que é forte no mercado corporativo. Ele usa exemplo da In Loco Media, cuja sede serviu de locação para esta conversa do Memória do Futuro e da qual o filho dele, André Ferraz, é CEO. A empresa tem forte base tecnológica e atuação nacional e internacional. “Nada substitui a pessoa ‘real’. A In Loco tem toda uma estrutura em São Paulo para atender seus clientes”, lembra Carlos.

 


Assista a um compacto da conversa entre Herman Braga, Carlos Ferraz e Luiz Vieira

One Comment

  1. No final do ano passado, fiz uma publicação que também retratava aquela do início da internet. Talvez vc goste de relembrar: Segue: https://avisara.blogspot.com/2017/11/visionarios-coworking-e-hub-de-statups.html?m=1

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