Uma herança bem cuidada

Ex-executivo do Banorte, Rômulo Meneses conta como o banco ajudou o País a se tornar uma referência nacional em automação bancária e como, mesmo depois de seu fechamento, foi fundamental para a qualidade técnica e visão de mercado no setor de TI de Pernambuco.

Igor Gatis, Rômulo Meneses e Domingos Monteiro - Memória do Futuro
Rômulo Meneses (centro) conversou com Igor Gatis (à esquerda) e Domingos Monteiro na sede do Galo da Madrugada, no Recife. Foto: Robson Rodrigues.


Os bancos brasileiros
começaram a usar a tecnologia do blockchain para dar mais segurança e agilidade às suas operações. O assunto é tema de um grupo de trabalho criado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e formado por 17 instituições financeiras, além do Banco Central. O fato de o País estar numa posição de destaque em relação ao uso de tecnologias inovadoras, entretanto, não é novidade. O Brasil começou a ganhar relevância mundial nesse assunto desde os anos 1980, com um empuxo provocado pelo Banorte, banco pernambucano que marcou a história do setor de TI estadual e nacional. Para contar um pouco dessa história, o Memória do Futuro promoveu uma conversa de Rômulo Meneses, um dos executivos proeminentes da instituição financeira, com o CEO da Neurotech, Domingos Monteiro, e o CTO da Acqio, Igor Gatis, ambos atuantes nos segmentos de análise de crédito e operações financeiras, respectivamente.

A conversa com Igor e Domingos foi realizada em uma data bem distante do Carnaval, período em que Rômulo está totalmente imerso no Galo da Madrugada, um dos maiores símbolos da Festa de Momo em Pernambuco. Mas o espírito carnavalesco estava presente: o encontro foi na sede do bloco, no Centro do Recife. Rômulo é presidente do Galo há 8 anos; mas folião ele sempre foi, desde o primeiro desfile, em 1978. Naquela época, já estava no Banorte há quase uma década. Ele entrou na empresa poucos anos depois de o Banorte adquirir um IBM 1401, um dos mais famosos “cérebros eletrônicos” daqueles tempos. Segundo o livro História & Guia da Informática em Pernambuco, de Manoel Barbosa, a máquina era vendida diretamente pela IBM a partir de um escritório montado no início dos anos 1960 pela multinacional na Rua do Imperador, área que hoje integra o Porto Digital.

Ainda de acordo com a publicação, o Banorte, fundado em 1942, chegou a ter mais de 80 agências em diversos pontos do território nacional e quase três mil funcionários. Foi o “o primeiro grupo privado do Nordeste – e um dos primeiros do Brasil – a investir em alta escala em tecnologia da informação, antecipando-se ao governo do Estado e à prefeitura”, pontua Manoel Barbosa. Em 1964, o banco usou sua filial do Rio do Janeiro para abrigar o primeiro sistema bancário automatizado do País, o Plano Padrão de Contas-Correntes Bancárias. “Começava ali (…) uma revolução nos serviços bancários brasileiros”, registra o jornalista em seu livro. Esses marcos estão vivos na memória de Rômulo:

“A informática do Banorte sempre foi uma tecnologia de vanguarda. Sempre foi muito reconhecida. Grandes bancos vinham ver o que se fazia no Recife e ficavam abismados. Hoje fico até surpreso em ver como alguns sistemas de bancos têm tantas falhas que a gente não tinha na década de 1980.”

 

Do cartão perfurado a sistemas on-line

No início dos anos 1970, quando a comunicação bancária convencional era possível por meio de cartões perfurados, o Banorte começou a levar a automatização que já funcionava no “coração” do banco para a ponta, nas agências. “No fundo, era centralizado, dependia do mainframe. Então, a agência ficava altamente vulnerável a uma parada do mainframe ou a alguma questão de rede. Era preciso ter o básico para atender o cliente, independente do que estava acontecendo por trás”, relata Rômulo. Começava, então, um projeto moldado para ser um sistema distribuído. O próximo passo era comprar os equipamentos, porém os planos foram interrompidos pela reserva de mercado, que começou em 1975 e proibia a importação dos computadores. Rômulo relembra que nesse momento surgiu a Digirede, uma empresa criada por Arnon Schreiber, que era consultor do Banorte e tocou a iniciativa em parceria com o banco.

A Digirede tornou-se o canal de expansão da tecnologia desenvolvida em Pernambuco para todo o País. Tanto que ela aparece ao lado do Banorte em nível de importância em registros como o livro Tecnologia Bancária no Brasil, de vários autores, editado pela FGV em 2010. Rômulo atuou na empresa, representando o banco. “Visitamos a USP e outros fornecedores e chegamos à conclusão que dava pra tentar fazer alguma coisa de automação no Brasil. Chegamos a ter uma equipe de 300 engenheiros do ITA USP, Poli… Assim, a Digirede tornou-se líder de automação no Brasil. Agências de praticamente todos os bancos foram automatizadas com a solução desenvolvida por ela.” Ao contar essa passagem, Rômulo olhou para Igor, o mais jovem entre os três na conversa, e disse: “Para você ter uma ideia, não existia nem HD, era o floppy disk de 8 polegadas. E cada CPU tinha uma memória esplêndida de 64k”, disse Rômulo, entre risos. Ele também ressalta que houve uma pessoa sem a qual talvez essa história não pudesse ser contada. “O processo da Digirede só ocorreu porque Zemar Rezende tinha visão de futuro e defendeu o projeto junto à diretoria”, afirma Rômulo.

Homenagem da Sucesu-PE a Zemar Rezende em 1980 - Memória do Futuro
Homenagem da Sucesu-PE a Zemar Rezende foi notícia no Jornal do Brasil em outubro de 1980


Ao ouvir sobre o desempenho do Banorte e da Digirede, Igor Gatis quis saber se a inflação teria sido um impulsionador. Afinal, nos anos
1980, ela facilmente ultrapassou os 100% ao ano e, em sua escalada, chegou a quase 2.000% ao ano em 1989. Para Rômulo, a influência foi direta, porque ajudava a justificar os investimentos na automação, uma vez que, no setor bancário, a máxima “tempo é dinheiro” é muito mais do que uma verdade, é uma imposição. Igor comenta que isso impactou tanto o jeito do brasileiro lidar com os serviços bancários ao ponto de fazer com que serviços internacionais não tenham tanta força aqui. “O PayPal, por exemplo, nunca teve sucesso nas transações internas porque no Brasil temos DOC e TED, o que não existe em outros países”, lembra Igor. Domingos Monteiro complementa a análise frisando que “a motivação das soluções foram esses ‘bons problemas’ que o Brasil tinha naquela época”.

 

O fim do Banorte e um novo começo para a TI de Pernambuco

Problemas internos e o estrangulamento dos bancos médios após o Plano Real, que trouxe também dificuldades para bancos maiores, intensificaram as dificuldades do Banorte em seguir em frente. A crise culminou com a intervenção do Banco Central, em 1996, e as posteriores venda para o Bandeirantes e liquidação extrajudicial. Domingos Monteiro quis saber de Rômulo se essa história poderia ter sido diferente. “Foram problemas que transcenderam a área de TI. Ficou evidente, com o Plano Real, que ia ter que haver uma reforma no sistema bancário, que você não teria espaço para os bancos médios”, lamenta Rômulo.

Rômulo Meneses e Domingos Monteiro - Memória do Futuro
Domingos (dir) conheceu Rômulo quando a Neurotech iniciava sua jornada. Foto: Robson Rodrigues


Domingos questionou Rômulo sobre o impacto do fechamento do Banorte no ecossistema local de empresas de tecnologia. “Vou repetir aqui algo que Silvio Meira costuma falar: graças ao fechamento do Banorte, os profissionais ficaram disponíveis para o mercado. E isso foi muito importante para o CESAR”, disse Rômulo. Desse modo, mesmo em seu dramático fim, o Banorte continuou sendo relevante para o setor de TI de Pernambuco, pois deixou deixou como herança um exército de profissionais de alto nível técnico e com a visão de mercado da qual a academia precisava. Domingos destaca que a Neurotech é um exemplo vivo dessa fase. “A empresa foi criada a partir de um problema da Hipercard, que fazia parte do Grupo Bompreço, parceiro do CESAR. Se não existisse esse tipo de problema, com pessoas da academia e do mercado para resolver, provavelmente o CESAR não teria existido. E foi uma combinação boa para várias empresas que surgiram no início do Porto Digital”, analisa Domingos.

 

Os desafios de criar empresas globais a partir de Pernambuco

Um assunto que surgiu neste ponto da conversa foi o crescimento de empresas a partir de Pernambuco. Igor Gatis citou a facilidade atual trazida pela internet de se atender o mundo todo com uma equipe enxuta de 10 pessoas. Mas Rômulo acredita que uma empresa pode crescer mais com problemas que estão perto – geograficamente – dela:

“O bom é que o problema está perto de você, porque a proximidade facilita a identificação das soluções e a tomada de decisões.”

Rômulo lamenta a perda que o Estado sofreu com a ausência – por falência ou venda – de sedes de grandes empresas no Recife. “Concordo perfeitamente que hoje é possível desenvolver um mercado global a partir de uma empresa local, mas se o mercado local, decisor, fosse mais forte, sem dúvida ficaria mais fácil”, opina. Ele acredita que o caminho indutor do crescimento robusto e saudável para as empresas são os saltos, os crescimentos exponenciais trazidos por operações como aquisições de outras empresas; algo que ele gostaria de ver a partir de empresas pernambucanas. “É preciso ter musculatura própria para crescer não só organicamente, mas por meio de saltos trazidos por incorporações. Acho que nós, aqui em Pernambuco, demoramos muito a crescer dessa forma e temos dificuldade de dar essa alavancada. Se continuarmos andando a passos curtos, corremos o risco de sermos engolidos por concorrentes que vão andar a passos largos”, complementa.

Outro ponto para o qual Rômulo chama a atenção é a acomodação trazida pelo sucesso. Ele exemplifica com a Digirede. Em um determinado ponto, a visão de mercado foi excelente para dominar a automação bancária no País. “Mas, de repente, ela pensou que era uma espécie de Midas da informática, a dona do mundo. E quando caiu quando a reserva de mercado acabou”, relata. Ele conta que, abertas novamente as portas para a importação de equipamentos, começaram a vir concorrentes com novas soluções que foram ignoradas pela Digirede, que acabou sucumbindo às mudanças do mercado. Domingos complementou a análise de Rômulo dizendo que ir ao mercado muito rápido e adaptar-se fortalece a empresa contra a concorrência. Igor acrescentou que essas atitudes também envolvem arriscar-se, sem medo de errar.

Rômulo Meneses - Memória do Futuro
Mesmo distante do setor de TI, Rômulo levanta questões que são desafios atuais para quem atua na área. Foto: Robson Rodrigues


Ainda sobre estratégias de negócio, Domingos questionou Rômulo sobre como o ecossistema local poderia fomentar mais a “visão” de mercado entre empreendedores e profissionais da área de tecnologia da informação. “O que poderia acontecer para que houvesse um novo movimento que nos levasse a ter mais visão e a resolvermos mais ‘bons problemas’”?, questionou o CEO da Neurotech. Rômulo respondeu com um conselho para todos os empreendedores:

“Não adianta ter só a tecnologia, a solução. É preciso ter visão de mercado, ter a visão de empreendedor, ver as oportunidades, chegar lá e vender. Se você fica só focado na solução e não ocupa o mercado, outro vai ocupar.”

Rômulo, que não se considera empreendedor por nunca ter tido uma empresa própria, acredita que o “feeling” de qual caminho seguir faz parte da jornada de quem está tocando o barco. No entanto, Domingos fez questão de lembrá-lo que, sem intraempreendedores como ele, os fundadores ficam mais frágeis. Rômulo agradeceu com um sorriso, mas reiterou que, embora reafirme que seu futuro não passa pelo empreendedorismo, acredita que isso não se aplica ao seu mais conhecido trabalho: o de presidente do Galo da Madrugada, um “empreendimento” que já tem presença em 13 países e, no Carnaval do Recife, conta com 200 diretores, 4 mil pessoas em trabalhos diversos e mil músicos. A conversa termina com um aviso animado: “Os próximos anos são do Galo e todos estão convidados!”.

 


Assista a um compacto da entrevista com Rômulo Meneses

2 Comments

  1. Como o passado explica a atual importância de Pernambuco no contexto bancário nacional e o sólido futuro com inovações tecnologicas seguras com as quais a Pernambucana NeuroTech se preocupa em oferecer nos sistemas aos clientes e parceiros do setor Bancário, Financeiro, Varejista, Educação e Saúde. Parabéns a todos nós que vivemos essa realidade para a cada dia fazermos melhor que ontem. Obrigado pelo conhecimento Domingos, Igor e Rômulo!

  2. Maviael Diniz Barbosa
    Sou Ex-funcionário da Empresa Banorte, como escriturário e, foi bom Ter tido sido o meu primeiro emprego na Instituição Bancária, Mais como técnico em contabilidade e de primeiro, Notei falta do Mencionado Desenvolvimento de tecnologia nas Substituições de instituição de Remunerações de contribuições no contexto do Ministério da Fazenda como REPARTIÇÃO Pública Federal no Bojo de Domínio do DETERMINADO Investimento, na máquina produtiva estadual de SUBSTITUIÇÕES de COMPUTOS, MAIS, Como, INVESTIMENTO DE CIDADANIA Global de Área da Informação.

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