45 anos são só o começo

À frente da Procenge, destaque na área de TI em âmbito nacional, empresário teve atuação marcante como membro da comunidade empreendedora do setor em Pernambuco.

 

Memória do Futuro - Zé Cláudio - Procenge
José Cláudio – o Zé Cláudio – foi entrevistado no prédio do ITBC, no Recife Antigo. Foto: Virgínia Rodriguez


“Quando fui convidado, lembrei de Cazuza e seu ‘museu de grandes novidades’. Tem muita coisa que está sendo feita hoje como imaginamos no passado, mas em cima de novas plataformas”, diz José Cláudio de Oliveira, o Zé Cláudio, ao falar sobre o convite para fazer parte do
Memória do Futuro. No entanto, a conversa, que contou com o CEO da Pitang, Antônio Valença, e o membro da comunidade Manguez.al Luiz Gomes, também trouxe revelações de novidades “legítimas”, como as mudanças em curso na Procenge. Com quase meio século de existência, a empresa de 45 anos está encontrando novas perspectivas através de startups, internet das coisas e inteligência artificial, em uma busca interminável pela inovação. “Ainda temos um longo caminho pela frente”, garante Zé Cláudio.

De traçar caminhos Zé Cláudio entende. A jornada até aqui foi cheia deles, com escolhas que influenciaram marcos históricos no setor de tecnologia da informação no Brasil e em Pernambuco. Entre eles, está a passagem da Procenge pelo setor bancário na década de 1980, com soluções como a implantação do Sistema de Pagamentos Brasileiro, que passou a monitorar todas as operações do País em tempo real. Outra inovação foi a Poupança Verde, do Banco do Brasil, cujo sistema foi implementado em três dias para rodar em todo território nacional, com abertura oficial pelo então presidente da República, José Sarney. Vale ainda lembrar a migração da contagem de votos para o ambiente eletrônico, na primeira eleição direta para presidente depois da ditadura, em 1989, usando computadores Corisco e uma linha telefônica.

Memória do Futuro - Década de 70 - Equipe de Consultoria Organizacional da Procenge
Década de 1970 – Equipe de Consultoria Organizacional da Procenge


A Procenge ganhou impulso quando Rômulo Mesquita e Ezequiel Jordão convidaram Zé Cláudio para fazer parte da sociedade: ele levaria consigo o conhecimento em marketing necessário para alavancar as vendas. Item fundamental para “um grupo de 20 técnicos que não tinham a menor noção de marketing”, como relembra Zé Cláudio. Por isso, ele decidiu voltar ao Recife e deixar a IBM, para a qual trabalhava baseado no Rio de Janeiro. A nova companhia prosperou. Hoje conta com uma carteira de 25 mil usuários clientes em todo o País e emprega 170 pessoas. Conseguiu sobreviver à hiperinflação e outros baques sofridos pelas empresas com a vulnerabilidade da economia e da política brasileiras.

Para ele, entretanto, nenhuma crise superou a recente. “É a pior de todas, pois a estrutura completa que se tinha de crescimento e esperança foi destroçada.” Um dos maiores influenciadores nessa análise foi a ruptura que o cenário adverso impôs à Procenge. A empresa vinha em um dos seus melhores picos de crescimento e, entre 2012 e 2013, colocou em prática um plano de retirada dos sócios da operação, movendo-os para um conselho, estratégia complementada com a ampliação do crescimento orgânico no Sudeste:

“A crise nos pega nesse contrapé. Em 2015 e 2016 revimos tudo e voltamos para o dia a dia executivo da empresa. Tínhamos que pensar como poderíamos voltar a crescer.”

A saída foi implantar modelos com o mínimo possível de investimentos. “Aumentamos nossas parcerias com clientes, outras empresas e startups, fazendo um espécie de ‘crowdefforts’, uma união de esforços”, conta o empresário. “Estamos usando fortemente ferramentas digitais, para transformar a Procenge em uma empresa digital sob todos os aspectos.” Zé Cláudio explica que o procedimento inclui desde marketing digital à criação de uma assistente virtual desenvolvida com inteligência artificial. Ela vai se chamar Cléo, provavelmente a primeira nordestina na área, com nome escolhido para fazer relação com Cleópatra e com o ERP Pirâmide, principal produto da Procenge.


A força do feixe

Outros trajetos convergiram para a trilha da união de esforços. A meta era gerar representatividade nacional do “saber-fazer” que Pernambuco já tinha. “Gastei muito do meu latim em apresentações em São Paulo que não davam em nada. Achavam que a gente era comedor de calango ou que vivia na praia”, relembra Zé Cláudio, ao explicar por que virou um defensor ferrenho de uma plataforma de visibilidade para empresas pernambucanas. Outro problema era a interrupção do desenvolvimento do setor devido à quebra causada pela falta de oportunidades dentro de casa. “Os talentos iam embora e perdíamos os cérebros para as multinacionais.” O cenário fez com que a Procenge e outras empresas se alinhassem por um interesse comum: ir mais longe.

O Softex é fruto desse impulso. A entidade foi criada para consertar uma série de deficiências do setor de TI, identificadas quando as empresas começaram a tentar exportar seus serviços. “A ideia começou como uma espécie de incubadora, mas depois colocamos o foco em qualidade de software.” Zé Cláudio ficou de 2000 a 2016 na presidência do Softex Recife, entidade que canalizou o empenho dos empresários e serviu de ninho para as bases do parque tecnológico, como o CESAR e o próprio Porto Digital.

Memória do Futuro - Zé Cláudio
Antônio Valença, da Pitang, Zé Cláudio e Luiz Gomes, da Manguez.al. Foto: Alan Rodrigues.


A herança mais tangível da gestão de Zé Cláudio no Softex é o prédio onde promovemos o encontro do
Memória do Futuro: o empresarial ITBC, abreviação de Information Technology Business Center. Gerido pelo Softex Recife, o ITBC só se tornou realidade depois de mais de 10 anos, com a costura de inúmeros acordos, alinhamentos e investimentos – inclusive pessoais.  Antonio Valença, diretor do Softex Recife convidado para participar da entrevista com Zé Cláudio, acompanhou parte dessa trajetória. Na conversa para o Memória do Futuro, Valença conheceu mais alguns detalhes da “Saga ITBC”. Um dos fatos que agora soam como pitorescos, mas que à época trouxeram muita dor de cabeça, foi a descrença de bancos públicos quanto ao mercado das empresas que se instalariam no prédio: uma das instituições alegou que “aquilo [as empresas de software] não teria futuro” e a única coisa economicamente viável seria um restaurante, antes previsto para ser montado na cobertura e que nunca saiu do papel. Outro foi o longo período de falta do que fazer por parte dos operários da obra, uma vez que a demanda de material de construção do Minha Casa Minha Vida zerou os estoques locais e não havia insumos disponíveis para o ITBC. Hoje o empresarial abriga cerca de 30 empresas e é uma das âncoras do Porto Digital. Zé Cláudio não esconde o orgulho:

“Temos uma alma vivendo aqui dentro, que é a alma das empresas de TI. Aqui promovem-se encontros de startups com empresas maduras, discutem-se os problemas da categoria… tem uma efervescência constante”.

Valença perguntou a Zé Cláudio como foi possível, ao longo destes anos, equilibrar a dedicação ao desenvolvimento do ecossistema e a gestão da Procenge. Para Zé Cláudio, essa vida dupla só foi possível graças à solidariedade de seus sócios. “Eles também são entusiastas do parque tecnológico e me deram um grande apoio”, respondeu o diretor geral da Procenge. O executivo ressalta os benefícios angariados pela empresa com esse envolvimento: “Esse engajamento é muito recompensante do ponto de vista pessoal e empresarial também. A Procenge dá sua contribuição e recebe o reconhecimento da comunidade”. Outro ponto destacado por Zé Cláudio é o suporte e a confiança de quem abraçou a causa junto com ele, como Alcides Pires, atual presidente do Softex. “Saí com a missão cumprida”, comemora.


IOT, AI e startups

Entre as grandes novidades que Zé Cláudio vê no museu da tecnologia da informação, está a computação em nuvem. “É o nosso velho birô de serviços. A diferença é que antes tínhamos computadores enormes para prover o serviço. Chegamos a alugar uma casa inteira para isso. Hoje essa máquina está em algum lugar que não interessa onde é.” À primeira vista, o comentário pode sugerir alguém com certa desconfiança diante do ritmo frenético da inovação. A suspeita não está de todo incorreta. Zé Cláudio confessa que, quando as startups começaram a despontar como empresas que resolviam problemas e ganhavam dinheiro, não foi pego pelo frenesi. Pelo menos não de primeira. “Nós somos as empresas grandes e elas [as startups] são um bando de meninos que vai ter que ralar muito para ter uma coisa que preste”, brinca Zé Cláudio, tentando sintetizar de uma forma bem-humorada como ele via esses negócios.

A postura mudou. De um lado, as tentativas de inovação apenas endógenas não funcionaram – era preciso conectar a equipe com iniciativas disruptivas fora de casa. De outro, a Procenge integrou-se no movimento de aproximação entre startups e empresas maduras promovido pelo Softex Recife. Assim, a empresa passou a considerar os novos negócios como parceiros indispensáveis para ganhar agilidade no atendimento e gerar inovação junto aos clientes:

Temos cadeias produtivas com uma série de problemas que as startups podem resolver ou já resolvem. Se eu trabalho junto com elas, ganho tempo e ajudo os clientes com soluções”.

Luiz Gomes, que representa a comunidade de empreendedores Manguez.al e também é fundador da startup Lotebox, quis saber como tem sido a identificação, a análise e o acompanhamento desses novos parceiros por parte da Procenge. Zé Cláudio comentou que, além de estar mais próxima do ambiente acadêmico através do CInove, projeto de inovação do Centro de Informática da UFPE (CIn), a Procenge já está inserida no processo de aceleração de startups do Cesar em suas duas áreas prioritárias: saneamento e saúde. Outra frente é a conexão de funcionários com ambientes, pessoas e processos inovadores, como os promovidos no Apolo 235, novo prédio do Porto Digital na esquina da Rua do Apolo com a Rua do Observatório, localizado no Bairro do Recife e a cinco minutos de caminhada a partir da sede da Procenge.

 

Memória do Futuro - Zé Cláudio
Luiz Gomes, à direita, fez perguntas sobre inovação e startups. Foto: Alan Rodrigues


Outro comentário feito por Luiz foi em relação à evolução dos meios de inovação a partir do Recife, considerando as trocas atualmente possíveis devido ao ecossistema que Zé Cláudio ajudou a criar: “O contexto de inovação que temos hoje extravasa qualquer limite físico ou geográfico e pode atender problemas não só locais, mas globais”, acrescentou o fundador da Lotebox. “Como podemos enxergar todo esse arcabouço de infraestrutura de empresas e de inteligências na cidade do Recife como um próximo passo no viés de inovação, para que Recife seja uma referência de inovação mundial?”, questionou Luiz. Para Zé Cláudio, as empresas maduras estarão cada vez mais a reboque das startups: “Acredito que o papel será invertido. Não enxergo mais grandes empresas como fontes dessas novas experiências. Não seremos mais os tracionadores”.

Memória do Futuro - Zé Cláudio - Procenge 45 anos
Equipe da Procenge na comemoração dos 45 anos da empresa, em 2017. Foto: Acervo Procenge

 

Mais 45 anos

“Museu de grandes novidades” à parte, Zé Cláudio e a Procenge ainda têm muito a contribuir com o ecossistema inovador de Pernambuco. Ele tem avaliado como pode transmitir sua experiência e conhecimento a novas gerações de empreendedores. Entre os conselhos, está não ter medo do fracasso e não ser megalomaníaco.

No quesito fracasso, Zé Cláudio destaca a importância da perseverança, especialmente diante da frequência com que experiências malsucedidas ocorrem. “O fracasso não deve lhe assustar”, ensina. Ele diz que talvez a ideia esteja sendo executada de uma forma errada ou na hora errada e só precise de ajustes. Em relação à megalomania, o empresário explica que não há problema em ter ambição de ser o melhor, mas é necessário lembrar que também não há problema em não ser o novo Facebook. “No Vale do Silício, você vê que tem uma enorme constelação de empresas que não são o Facebook e têm relevância. Estão fazendo negócios e estão crescendo.”

Os ensinamentos são uma amostra rápida e muito pequena do que ele pode oferecer, daí a sua busca por formatos através dos quais possa chegar a mais pessoas. “Quero uma forma de contribuir e retribuir o que a sociedade me deu. É meu projeto para os próximos 45 anos.”


Assista a um compacto da entrevista com Zé Cláudio

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.
Campos obrigatórios são marcados por *